É importante destacar que analisar o léxico sob a perspectiva da Linguística Histórica proposta em Mattos e Silva (2008) requer acesso a textos/documentos/registros antigos, no entanto, ante esta imposição me deparo com um axioma,  tal como destacam Namiuti Temponi et al (2013), no Brasil, grande parte dos documentos históricos que sobreviveram às intempéries temporais ou de conservação, seja em arquivos públicos, privados ou pessoais, não é acessível ao pesquisador enquanto corpus manipulável, nem tampouco a sociedade sem especialização na área, logo chegando a ser, ouso dizer, inacessível ao cidadão, seja pela dificuldade de leitura de tais documentos, seja pela indisponibilidade oriunda dos arquivamentos e acessos aos espaços físicos dos locais de guarda.

Portanto, buscar formas de preservação e divulgação do patrimônio histórico-linguístico, sobretudo da região de Itapipoca, cidade localizada a aproximadamente 130km da capital do Estado do Ceará, Fortaleza, é um desejo que transpassa as minhas intenções investigativas, tendo em vista a estreita relação de afeto com a região e depois por alimentar um apreço aos documentos usados como objeto deste estudo, bem como por inferir que, o léxico de causa mortis, para além de registrar um enunciado, caracteriza um período sócio-histórico, sendo portanto, determinante para preservar e revelar aspectos da memória linguística, social e política, seja pela permanência ou mudança lexical.

O levantamento e a compilação do léxico de causa mortis dos documentos de certidão de óbito possibilita a reconstrução diacrônica para a análise lexical e semântica de unidades lexicais presentes nos usos linguísticos, bem como os aspectos sócio-históricos, os culturais e os políticos que reverberam na língua, pois como aponta Gonçalves (2020, p.227), os documentos históricos

(…) apresentam variações no tempo e no espaço. O texto-documento é objeto sócio-histórico, material, cultural e político que registra os rastros das adoções lexicais dos sujeitos. Dessa forma, os registros escritos constituem-se como fontes relevantes para o conhecimento do léxico e seus usos sociais, em fases pretéritas da língua.

Outro ponto de destaque na investigação a qual me propus é a busca por uma abordagem global do texto, tendo o recurso tecnológico como mediador para a reflexão, a análise linguística e integração entre diferentes planos analíticos por intermédio das Humanidades Digitais.

Cabe destacar que, há um efervescente debate sobre o conceito do termo “humanidades digitais” que designa ora um conjunto de práticas, ora um promissor e novo campo acadêmico. Para este trabalho, tenho como referência conceitual o Manifesto das Humanidades Digitais, elaborado em Paris por ocasião do ThatCamp 2010, o documento define as humanidades digitais como uma “transdisciplina” que incorpora métodos e dispositivos em uma perspectiva heurística das ciências humanas e sociais, pari passu que mobiliza ferramentas e perspectivas na área da tecnologia digital. 

O conceito ora citado é o que melhor atende à perspectiva proposta neste trabalho de investigação, uma vez que uma das proposições do Manifesto das Humanidades Digitais não é negar o passado, mas apoiam-se no conjunto dos paradigmas, das habilidades e dos conhecimentos próprios das ciências humanas e sociais, sendo mobilizados simultaneamente aos instrumentos e às perspectivas do mundo digital.  

Logo, o campo das Humanidades Digitais interfaceado à Filologia e à Linguística Histórica situa a pesquisa da presença tecnológica no âmbito das fontes documentais históricas, em outros tempos usufruídas apenas em seu formato físico, como é o caso dos documentos de certidões de óbito aqui investigados.

FONTE: https://humanidadesdigitais.org/breve-panorama/

Manifesto das Humanidades Digitais

O que é?!

As digital humanities designam uma transdisciplina, portadora dos métodos, dos dispositivos e das perspetivas heurísticas ligadas ao digital no domínio das Ciências humanas e sociais.